«É impossível ir ao mar em Setembro sem pensar nos bombeiros portugueses. Não só nos que morreram e ficaram feridos como em todos os que arriscam a vida.
Não consigo imaginar o que é arriscar a morte para ajudar e salvar os outros: a vida dos outros, a saúde dos outros, as casas dos outros.
Todos os bombeiros que morreram e que foram feridos - e todos aqueles que hão-de morrer e ser feridos estariam de boa saúde se tivessem agido como todos os seres humanos e pensado, acima de tudo, na própria segurança.
Isto não é egoísmo - é apenas agir segundo os interesses de cada um. É assim que sobrevivemos. A autopreservação está-nos na massa do sangue.
Os bombeiros escolhem lutar, antes de lutarem contra qualquer incêndio, contra o instinto de autopreservação que os defenderia.
Para proteger a quase totalidade de cidadãos que segue sensatamente esse mesmo instinto, os bombeiros ultrapassam-no.
Ao arriscar a vida, agem irracionalmente: tornam-se altruístas heroicos.
Se não consigo imaginar a generosidade louca dos bombeiros posso recorrer ao testemunho dos próprios bombeiros, sempre perto de nós.
O que é inimaginável, incompreensível é a ingratidão do Estado português. E até da população.
Os bombeiros têm de ser tratados e pagos como heróis públicos. Já que arriscam as vidas para salvar as nossas, têm de viver melhor do que nós e com constante reconhecimento.
Mete nojo a nossa psicopática indiferença: elas e eles são melhores do que nós.»
Miguel ESTEVES CARDOSO, Os Heróis públicos, Público, 04. 09. 2013, 37