quarta-feira, 27 de julho de 2011

Escola de Bombeiros De onde vêm os hérois do Verão?



Por esta escola, em Sintra, passam jovens que querem passar o resto da vida a apagar incêndios e salvar vidas

Do lado de cá é um paralelepípedo vermelho no meio de um descampado. Do lado de dentro, a temperatura pode ir até aos 400 graus. As chamas deixam as paredes negras e há uma vítima a resgatar. É no Laboratório Móvel de Fogo que 13 recrutas dos bombeiros municipais de Tavira e Olhão passam as últimas provas de uma formação de seis meses.

Paulo Almeida, bombeiro voluntário e formador na Escola Nacional de Bombeiros, em Sintra, descreve o que se passa lá dentro. "É o limite do que é possível fazer face ao fogo, em termos de ataque directo." Explicando por miúdos, os formandos quase não têm visibilidade, a temperatura é altíssima e lidam com níveis estonteantes de stresse térmico. Não parece, tendo em conta os sorrisos com que saem por uma porta em que, de vez em quando, se vêem chamas a ocupar toda a altura da estrutura.

Na porta ao lado, um pequeno compartimento bem mais calmo. Tem uma televisão (ligada a uma câmara e a um microfone na outra sala), um quadro branco com rabiscos de escola e um banco corrido. É ali que um dos recrutas, Licínio Adriano, 23 anos, explica porque quer ser bombeiro. A um semestre de acabar a licenciatura em Agronomia na Universidade do Algarve, Licínio teve de congelar a matrícula para embarcar nesta formação. "Foi uma profissão que sempre admirei, mesmo sem ter experiência nenhuma", conta, sabendo que alguns dos seus novos colegas já eram bombeiros voluntários. Um amigo avisou-o quando o concurso para estas vagas estava a três dias de fechar. "Meti os papéis meio à pressa e entrei depois das provas de admissão. Eram cinco vagas para 23 candidatos, acho." Hoje, já na recta final dos seis meses de formação em vários pontos do país, um dos formadores, Nuno Duarte, apresenta-o como "o melhor aluno". "O melhor não, talvez o mais regular", esclarece Licínio, de cara chamuscada, nariz completamente preto e olhos azuis a brilhar. "Nunca pensei que os bombeiros tivessem de saber tanta coisa. É muita matéria, mesmo", diz, antes do embalo da contagem do que fez nos últimos meses. "Começámos por ter Direito, na Lousã. Depois viemos para Sintra, onde tivemos Fenomenologia da Combustão, depois práticas de treino aqui, com extintor." A pergunta sobre o que achou mais difícil era inevitável. Para Lícinio foi a parte de fogos urbanos. "No primeiro dia queimei um bocadinho as mãos e fiquei receoso", conta. As luvas estavam molhadas e assim aqueceram mais, explica. "Depois, quando toquei na vítima, que é feita com extintores, senti queimar e tive mesmo de sair". Mas não entrou em pânico, assegura. "Como ensinam aqui, a gente tem de ter sempre medo. A adrenalina é que tem de ser superior ao medo. Quem não tem medo vai e não pensa em mais nada, perde a razão", diz, sob o olhar atento do formador.

O mesmo conselho é repetido ao grupo no final do exercício, antes de poderem despir os fatos completamente negros e relaxar à sombra de um toldo. "Estão a entrar com muita garra, vi muito dinamismo, mas às vezes esquecemo-nos do mais simples. Está lá tudo, só falta mais concentração" incita Paulo Almeida em tom alto. Atrás do grupo está outro campo de exercícios, com estruturas de metal da cor de ferro que já ardeu várias vezes. A Escola Nacional de Bombeiros existe desde 1995, mas só recentemente começou a fazer formação para bombeiros municipais. Antes, existia apenas para bombeiros voluntários. Se tudo correr como planeado, é também nesta escola que vai nascer o primeiro cenário para a formação dos bombeiros em caso de sismo, até agora inexistente em Portugal.

Profissão: Bombeiro Todos têm menos de 25 anos, idade limite para entrar na profissão de bombeiro. Dez anos a menos que o limite de idade para os bombeiros voluntários. Hoje falta uma pessoa. Uma rapariga, a única do grupo. Teve de ir ao dentista. Os colegas elogiam-lhe a determinação e dizem que nunca se coloca a questão do género. Mas outras coisas. "Bombeiro não é para quem quer, é para quem pode. Há muita gente que quer ser, mas não tem perfil para isso" diz-nos Licínio mais tarde.

"Aqui em cima, a profissão é mais valorizada que no Algarve" continua. Talvez isso explique porque é que o seu colega Tiago Ribeiro, 24 anos, tenha deixado a sua terra para se alistar em Tavira. Natural da região de Miranda do Corvo, Tiago chegou a pensar ser GNR, mas há cinco ou seis anos percebeu que o que queria mesmo era ser bombeiro. "Na minha terra havia muitos incêndios e sempre gostei de ajudá-los" explica. É bombeiro voluntário há dois anos, mas foi difícil conseguir oportunidade para fazer disso profissão. "Naquela zona é muito difícil arranjar uma vaga. Há uns anos, na Figueira da Foz, para 20 vagas concorreram mais de 300 pessoas. No último concurso dos sapadores em Coimbra concorrem mais de 3 mil pessoas e entraram trinta". Enquanto não conseguia, conta-nos, a principal ocupação era fazer apresentações power-point por encomenda a "clientes conhecidos na net". A oportunidade surgiu a quase 500 quilómetros de distância e já a um ano de chegar à idade limite. "Vou ter que mudar toda a minha vida para o Algarve, espero que seja uma boa experiência" diz, confiante.

A família foi um pequeno problema. "A minha mãe é uma mãe-galinha, do género "''ai, o meu filho vai para o fogo"" brinca Tiago. Mas ainda assim sempre o apoiaram. Depois de tanto esforço para chegar à profissão de sonho, Tiago sabe que vai enfrentar as partes menos boas: "Quando vamos a ver estamos mais tempo com os bombeiros do que com a família. Mas são eles que precisam mais de nós".

Já Licínio tem outros medos. "Chegar a um sítio, pensar muito e bloquear e não saber o que fazer" diz, com um sorriso nervoso. Para que isso não aconteça, já encontrou algumas técnicas: "Ver algumas imagens chocantes, para interiorizar. Com o tempo, vamos perdendo alguma sensibilidade em relação a estas coisas, tornamo-nos mais frios. Já não somos os mesmos."

Fonte: i