quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Marco Martins – bombeiro de Óbidos no Haiti

“Aquilo que fizemos foi uma gota de água, mas ajudámos a sorrir”

Depois de ter estado em missão no Haiti, onde integrou a força especial de bombeiros, Marco Martins, segundo comandante dos bombeiros voluntários de Óbidos, relata-nos como foram os dias passados os dias de ajuda à população de um país devastado por um sismo.

A forma como Marco Martins trabalhou e conseguiu lidar com toda a destruição e até as amizades que fez no território foram comentadas, assim como a vontade de regressar para receber um simples sorriso de agradecimento.

JORNAL das CALDAS: Como é que foi a missão no Haiti?

Marco Martins: Acima de tudo foi uma experiência enriquecedora em termos pessoais e na vertente profissional, porque deparei-me com um cenário gigantesco de destruição, do qual, em termos de escala, nunca pensei que fosse tão intensa. Isso valorizou-me como pessoa pelos sentimentos e emoções vividas. Como profissional a experiência adquirida em termos de organização e no caso específico no teatro de operações, foi também grande.

J. C.: Quando chegaram ao Haiti, estavam ou não preparados para aquele cenário?

M. M.: A preparação para a missão estava bem definida e nós estávamos perfeitamente preparados para isso, porque já tínhamos alguma experiência na montagem de tendas e infra-estruturas de apoio. Não houve dificuldade. Quando chegámos ao Haiti deparámo-nos, numa primeira fase, com o clima, com temperaturas bastantes elevadas. Depois deparámo-nos com uma cultura e uma cidade completamente destruída, que sinceramente, não estávamos à espera em tão larga escala.

J. C.: Como é que foram recebidos pela população dadas as circunstancias?

M. M.: Inicialmente ficámos na periferia do aeroporto, num acampamento. Estivemos os primeiros dias fechados naquele local. Depois, a partir do momento em que saímos para a rua, para resolver problemas logísticos, não tivemos qualquer tipo de abordagem com a população. Eles faziam a sua vida normal a caminhar nas ruas sem qualquer destino pré-definido, porque também não tinham casas e faziam qualquer coisa que era andar de um lado para o outro. O contacto directo com as pessoas, sentimo-lo quando começámos a montar o campo de desalojados. Aí a reacção foi muito positiva porque eles acabaram por perceber que estávamos ali para ajudar e aclamaram-nos com grande carinho, grande vontade de verem que fazíamos algo por eles. Nesse espaço houve uma grande receptividade e nunca sentimos, em momento algum, o sentimento de insegurança. Havia entre eles luta por um espaço, por um lugar, mas a nossa equipa nunca teve qualquer tipo de problema.

J. C.: Além do campo de desalojados, participaram na ajuda médica e em buscas?

M. M.: Não fizemos buscas, porque não íamos com essas valências. Fomos com a missão de montar um campo de desalojados, mas acabámos por colaborar na prestação de apoios médicos do Hospital da Universidade de Miami, que inicialmente estava implementado na sede da ONU e posteriormente foi colocado ao lado do nosso acampamento base. Essa foi outra experiência extremamente significativa e enriquecedora, tanto na vertente pessoal como na vertente profissional, porque fez-nos sentir a importância que poderíamos dar a pessoas que estavam extremamente debilitadas fisicamente com lesões traumáticas. O simples gesto de darmos a mão ou dar um sorriso permitia que elas se sentissem mais confiantes, que acreditassem que era possível mudar aquele estado de grandes dificuldades que estavam a ter. Trabalhámos com equipas médicas de outros países e foi valorizada a nossa prestação.

J. C.: Sentiram bem esse agradecimento da população?

M. M.: Integralmente. Quando fazíamos a distribuição, não de alimentos porque não era essa a nossa missão, mas de componentes complementares ao acampamento, como kits de higiene de cozinha, sentimos que as pessoas estavam muito perto de nós pelo gesto de gratidão, pelo sorriso e carinho. Quando chegávamos tínhamos essa percepção total. Fomos sempre muito bem recebidos, inclusive quando chegávamos ao campo as crianças imediatamente rodeavam-nos e queriam estar ao nosso colo e abraçavam-nos. É algo que guardo na minha imagem porque sentíamo-nos úteis por ali estar. Também infelizmente sentimo-nos impotentes por não podermos fazer algo mais. Nós cá temos tanto para dar e lá estávamos limitados ao que levámos.

J. C.: Então que imagem mais marcante testemunhou. Que episódio mais o marcou ao longo de quase um mês naquele território?

M. M.: Não foi a destruição, não foram os cadáveres amontoados, mas as crianças. São as mais debilitadas quer física quer psicologicamente. As crianças procuravam-nos sempre para que nós déssemos algo. Isso poderia ser apenas um sorriso. O que mais guardo nesta experiência era quando chegava ao campo as crianças vinham na minha direcção e pediam para que eu as pegasse ao colo e depois no hospital quando procedíamos ao transporte da enfermaria para a cirurgia e recobro, vice-versa, as crianças após tanto sofrimento tinham a coragem de nos dar a mão, dar-nos um sorriso, de falar connosco. Isso acabou por nos motivar e irmos um pouco mais além e acreditarmos que a nossa presença era muito importante para elas.

J. C.: Agora, como bombeiro de Óbidos e enquanto segundo comandante de que forma poderá transmitir a experiência aos futuros colegas e bombeiros?

M. M.: Eu tive a oportunidade de ter a presença deles enquanto lá estava no Haiti, através de contactos que me iam manifestando, através de e-mails ou mensagens e prometi-lhes desde logo que assim que tiver condições.

Fonte: Jornal das Caldas