quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Bombeiros apresentam os motivos que fundamentaram a sua demissão


Os 32 elementos do quadro ativo dos Bombeiros Voluntários do Entroncamento, que apresentaram o pedido de passagem ao quadro de reserva, emitiram um comunicado, no qual apresentam os motivos que fundamentaram a sua decisão.

Os bombeiros acusam a gestão do “Senhor Presidente da Direcção como se de uma autêntica fábrica de produção de enchidos se tratasse, onde entram presuntos (leia-se Bombeiros) e saem salsichas (leia-se serviços). A vertente humanitária desapareceu e deu lugar a uma gestão empresarial completamente cega, onde até a prestação de serviços com fim lucrativo já consta dos Estatutos, à revelia do escopo associativo e da respectiva prerrogativa de utilidade pública”.

No extenso comunicado que publicamos na íntegra os bombeiros afirmam que, “é totalmente falso que os mencionados Bombeiros deixem de acorrer a um incêndio ou acidente grave no Concelho, porque são pessoas que acabam - sempre - por colocar o Coração à frente da Razão. Para eles, a população do Entroncamento não tem culpa nenhuma do diferendo em que os Bombeiros se encontram envolvidos.”

Comunicado n.º 01/2011

A bem da verdade e considerando as justas expectativas de todos os associados da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Entroncamento (AHBVE), em particular, bem como da população do Entroncamento, em geral, os elementos demissionários do Quadro Activo, correspondendo a cerca de 90% do total de Voluntários do mencionado Corpo (32 em 36), vêm neste Comunicado elencar as principais motivações que os conduziram a uma ruptura com o Presidente da Direcção da Associação.

A título de introdução, adiante-se que, dos 4 (quatro) elementos Voluntários remanescentes, 2 (dois) não apresentaram o seu pedido devido ao facto de integrarem a Força Especial de Bombeiros “Canarinhos” e essa integração carecer de um vínculo de ligação activo a um Corpo de Bombeiros de origem. Acresce a circunstância de todos os 16 Bombeiros assalariados também serem Voluntários no seu tempo livre e de TODOS se encontrarem solidários com os Bombeiros Voluntários requerentes, não lhes sendo possível agir em conjunto com estes dada a sua ligação profissional à Corporação e que ficaria comprometida se pedissem a passagem ao Quadro de Reserva. Ou seja, se os “Canarinhos” e os assalariados tivessem poder de livre decisão, ter-se-iam demitido 50 (cinquenta) elementos, restando 2 (dois) Bombeiros no Quartel. Esta informação pode ser comprovada mediante contacto directo com qualquer dos elementos referidos, a efectuar por parte dos Senhores Jornalistas.

É um facto aceite por ambas as partes que o processo de relacionamento entre o Senhor Presidente da Direcção e o Corpo de Bombeiros se encontra afectado desde a data das primeiras eleições em que este apareceu a sufrágio (29 de Dezembro de 2008). Na realidade, numa carta expedida a todos os Sócios em 12 de Outubro de 2009, o Senhor Presidente da Direcção reconhecia já, nessa altura, que existiam argumentos continuados “em tempos diferentes” do seu mandato e que punham em causa a “estabilidade do próprio Corpo de Bombeiros”.

Nesta sequência de argumentos, em primeiro lugar, desde o início do seu mandato em Janeiro de 2009 que se assiste a uma constante interferência do Senhor Presidente da Direcção em todos e quaisquer assuntos operacionais do Corpo, numa clara infracção da Lei e provocando um profundo mal-estar no seio dos homens, que assim se encontram duplamente sujeitos a uma tutela hierárquica legítima (do Comando) e outra ilegítima (do Presidente da Direcção). A Direcção tem de ter um Presidente e o Corpo de Bombeiros tem de ter um Comandante; contudo, não é exequível nem é legalmente compatível ter um Presidente-Comandante.

Em segundo lugar, todo o processo bidireccional de comunicação e de consulta entre a Direcção e o Corpo de Bombeiros visando o tratamento de assuntos rotineiros tal como a correcta transmissão de instruções de serviço, de esclarecimentos, o processamento das requisições de natureza operacional, ou até a simples auscultação em assuntos de interesse e da esfera do Corpo de Bombeiros é francamente defeituoso ou, pura e simplesmente, não existe. Como exemplo de falhas de comunicação, atente-se à reiterada falta de resposta a requisições de fardamento emitidas pelo Comando; como exemplo de omissões na consulta note-se o projecto faraónico de “renovação” do pavilhão dos Bombeiros, que nem sequer foi dado previamente a conhecer aos mesmos, tendo-se este mesmo secretismo estendido aos próprios associados. Num gesto sem precedentes, o projecto de renovação do Pavilhão de Bombeiros passou ao lado da Assembleia-Geral e foi feita uma “tentativa” para fazer aprovar um empréstimo bancário relativo a esta obra (A.G. Extraordinária de 14 de Outubro de 2011), sem ser acompanhada da aprovação do próprio projecto e, pasme-se sem o competente parecer do Conselho Fiscal, que é estatutariamente obrigatório.

Em terceiro lugar, com a devida vénia, a Associação é gerida pelo Senhor Presidente da Direcção como se de uma autêntica fábrica de produção de enchidos se tratasse, onde entram presuntos (leia-se Bombeiros) e saem salsichas (leia-se serviços). A vertente humanitária desapareceu e deu lugar a uma gestão empresarial completamente cega, onde até a prestação de serviços com fim lucrativo já consta dos Estatutos, à revelia do escopo associativo e da respectiva prerrogativa de utilidade pública.

Existe uma multiplicidade de factos concretos que poderiam servir de ilustração a esta falência entre o exercício das funções do Senhor Presidente da Direcção relativamente à realidade associativa e à vertente operacional que são próprias da AHBVE. Contudo, sem prejuízo de poderem ser elencadas inúmeras outras situações, permitimo-nos sublinhar as seguintes:

1. Da Interferência e da Inépcia Disciplinar – É pratica habitual, por parte do Senhor Presidente da Direcção, a emissão de “Comunicações Internas” dirigidas ao Comandante do Corpo solicitando-lhe a abertura de Processos Disciplinares e indicando logo quais as penas disciplinares que espera ver aplicadas. Num determinado caso concreto lê-se: “[O Presidente da Direcção] Não aceitarei punição inferior à descrita no artº 38 nº 1 b), com observância do artº 42º do Decreto-Lei 241/2007”. Noutro caso, relativamente a duas situações distintas e envolvendo dois Voluntários, o Senhor Presidente da Direcção dirigiu-se à Secretaria da Associação e solicitou a elaboração imediata de “Carta de Despedimento” dos mencionados Voluntários. Para além de se tratar de Voluntários que nem sequer eram assalariados da AHBVE (logo, não podendo ser “despedidos”), pretendia consumar esse “despedimento” com dispensa de qualquer outro procedimento ou formalidade prévia.

2. Do Ataque à Idoneidade Moral dos Bombeiros - Como em dezenas, para não dizer centenas de outras Corporações de Bombeiros Voluntários por esse país fora, os Voluntários organizam acções de angariação de fundos, desde há mais de cinquenta anos, com o consentimento prévio, quer do Comando, quer da Direcção. Todas as verbas angariadas são escrupulosamente contabilizadas e entregues ao Tesoureiro da Associação. Por diversas vezes, culminando numa recente “Comunicação Interna” emanada pelo Senhor Presidente da Direcção (Outubro de 2011), insinuou-se a ideia de que os Bombeiros procediam à apropriação e manutenção ilegítima de fundos, acrescentando-se ainda que “Esta Associação (…) não permite nem irá permitir “sacos azuis” ou gestão paralela em seu nome”. Para além de não corresponderem à verdade, estes factos atentam contra o bom nome e a dignidade de todos os Bombeiros envolvidos no difícil trabalho de angariar receitas suplementares, sendo oriundas de um Senhor Presidente da Direcção que, ainda no mês passado (Outubro de 2011), apelou à colaboração dos Sócios para ver aprovado um aumento de quotas em 50%, devido a “dificuldades financeiras”.

3. Da Falta de Equipamento Operacional - Há muitos meses que não são adquiridos fardamentos; todavia, existe um Protocolo celebrado com a REFER e que financia a aquisição deste tipo de equipamentos operacionais, com um plafond de 5 000,00 € anuais. Registe-se o facto de que, não só não foi activado o Protocolo e não foram adquiridos quaisquer dos fardamentos requisitados pelo Comando neste espaço de tempo, como ainda a própria recruta de novos Bombeiros que entretanto terminou, teve de obter pelos seus próprios meios (comprar) o fardamento operacional, incluindo botas e divisas. Esta é uma situação inédita nos anais da Associação, quer por ser a primeira vez que faltam estes artigos a uma Recruta (recorde-se que são elementos que ingressam no Quadro Activo), quer também pela incompreensível não activação do protocolo com a REFER. Acresce ainda a circunstância de que existe um silêncio por parte do Senhor Presidente da Direcção no que concerne à satisfação destas necessidades operacionais de natureza imediata e à não activação do Protocolo com a REFER. Para além das consequências para todos os Bombeiros que não têm disponibilidades financeiras para adquirir o seu próprio equipamento (e da sobrecarga para os demais Voluntários que já dão tanto de si a esta Corporação) impera a Lei da Rolha no que diz respeito ao diálogo sobre estas matérias, por parte do Senhor Presidente da Direcção.

4. Da Interferência na Actividade Operacional - Fora dos casos emergentes, qualquer saída de uma viatura operacional está sujeita ao beneplácito do Senhor Presidente da Direcção, pois este não deposita confiança na discricionariedade técnica que assiste (por Lei) às decisões do Comando nesta matéria. O Corpo tem porfiadas vezes de prestar contas directas dos serviços ao Senhor Presidente da Direcção, sem qualquer audição prévia do Comando ou, pior ainda, recebendo esse mesmo Comando “puxões de orelhas” públicos, dados pelo Senhor Presidente da Direcção na presença de qualquer subordinado e versando questões tão insignificantes como a aquisição urgente e sem a sua “autorização” de um cabo de acelerador (cerca de 5,00 €) para uma viatura de fogo que ficou parada em pleno teatro de operações (caso concreto).

5. Da Ofensa a Valores Consagrados – O crachá utilizado por todos os Bombeiros é um património associativo e do próprio Corpo, tendo uma história antiga e consagrada há mais de 25 anos. Todavia, no último aniversário da AHBVE, em Janeiro de 2011, todos os Bombeiros foram surpreendidos pela entrega de um novo crachá, fruto de uma iniciativa do Senhor Presidente da Direcção e sobre o qual nenhum Bombeiro foi consultado. Acrescente-se a circunstância de que a aprovação de símbolos associativos passa estatutariamente pela Assembleia-Geral, por maioria qualificada de três quartos, sendo que a mesma A.G. não foi tida nem achada no assunto.

6. Da Indisponibilidade para Mediação do Conflito - Foi realizada uma tentativa séria de reconciliação entre o Senhor Presidente da Direcção e o Corpo de Bombeiros, tendo mesmo tido lugar diversas reuniões de trabalho com um associado da sua confiança e conhecimento pessoal (Dr. João de Bianchi Villar) que se disponibilizou graciosamente para servir de mediador. Todavia, o Senhor Presidente da Direcção fez gorar essas tentativas e cortou mesmo unilateralmente esses contactos, sem dar qualquer explicação.

7. Do Primado da Gestão Tecnocrática - É prática corrente do Senhor Presidente da Direcção referir o seu sucesso na gestão financeira associativa, em oposição ao seu reconhecido insucesso no relacionamento interpessoal, como sendo devido à aplicação da máxima “sem partir ovos, não se fazem omeletas”. Contudo, este modelo de gestão orientado exclusivamente para a vertente financeira, dominando todo e qualquer outro aspecto da vida associativa, sobrepõe-se ao próprio carácter humanitário que presidiu à criação e subsistência do património social da AHBVE. Não será difícil recordar-se de outra pessoa, noutro nível de influência, que também quis sobrepor os interesses financeiros da coisa pública aos interesses humanos das instituições: o seu nome era Salazar.

Permitimo-nos concluir, alegando que a existência de algum sensacionalismo em torno da nossa demissão do Corpo Activo não presta justiça, nem aos Bombeiros Voluntários do Entroncamento, nem à população desta terra. Por um lado, os motivos que assistem ao descontentamento dos Bombeiros do Entroncamento estão muito para alem do paradeiro dos dinheiros ou da lavagem dos lençóis - trata-se de questões muito mais sérias e que devem ser levadas à consideração dos cidadãos de forma elencada, objectiva e uniforme; por outro, é totalmente falso que os mencionados Bombeiros deixem de acorrer a um incêndio ou acidente grave no Concelho, porque são pessoas que acabam - sempre - por colocar o Coração à frente da Razão.

Para eles, a população do Entroncamento não tem culpa nenhuma do diferendo em que os Bombeiros se encontram envolvidos.

Apela-se também aos sócios, que em Assembleia-Geral são detentores do poder soberano sobre os todos assuntos da AHBVE, a sua participação e envolvimento permanentes, mas particularmente neste momento delicado da vida associativa. Nunca como agora, a sua participação activa se revelou tão necessária para repor a normalidade na gestão associativa.

Os Bombeiros Voluntários do Entroncamento requerentes gostariam de terminar, agradecendo a atenção dos Senhores Jornalistas e pondo-se à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos suplementares.

Quartel em Entroncamento, 7 de Novembro de 2011

Os subscritores,

Bombeiros do Corpo de Bombeiros Voluntários do Entroncamento que efectuaram pedido de passagem ao Quadro de Reserva

Fonte: entroncamentoonline.pt/