sábado, 15 de janeiro de 2011

“Os bombeiros não podem ser o parente pobre da protecção civil”


Joaquim Rebelo Marinho é presidente da Federação dos Bombeiros do distrito de Viseu. Apresentou na passada semana a candidatura à presidência da Liga dos Bombeiros Portugueses, com eleições marcadas para Outubro. Nesta conversa explica as razões da decisão e as propostas que tem para os bombeiros.

Na apresentação pública da candidatura definiu como uma das ideias fortes a necessidade dos bombeiros se autonomizarem em relação à Autoridade Nacional de Protecção Civil. Apresenta-se como um candidato de ruptura?

Não direi isso, é uma candidatura de realismo e de respeito pela identidade dos bombeiros.

Porquê a necessidade desta separação?

A separação nunca se devia ter feito. Foi um erro estratégico para os bombeiros e uma aposta descabida. O que fazia sentido era melhorar o antigo serviço nacional de bombeiros, que estava gordo, super dimensionado e torná-lo um serviço mais forte. É a minha bandeira do triénio e só deixarei de me bater por isso, quando a alcançar, que é os bombeiros terem a sua própria estrutura, à semelhança da que tem a Polícia de Segurança Publica, as Forças Armadas, o INEM e, naturalmente, que essa estrutura reporte à Autoridade Nacional de Protecção Civil enquanto instituição de supervisão e o chapéu de todos os agentes.

Quem vai pagar os custos de mais uma estrutura?

O que reclamo é que se pegue na estrutura que está constituída e se separe fisicamente, organicamente e funcionalmente. Não vai criar nenhum [aumento de custos] é a mesma estrutura autonomizada da Autoridade Nacional da Protecção Civil. Queremos ter um comandante dos bombeiros, como há um comandante da polícia, como há um comandante da GNR, e [hoje] o comandante distrital não é um comandante dos bombeiros, é um comandante da protecção civil. Os bombeiros é o único agente que precisa de estar na dependência da estrutura da protecção civil.

O que perderam os bombeiros com esta integração?

Perda de identidade, perda de sensibilidade na Autoridade Nacional de Protecção Civil. Estamos diluídos numa entidade que não é apenas a nossa entidade. O que é feito de um plano de equipamento para bombeiros? O que é feito da participação dos bombeiros a nível distrital em tudo aquilo que tem a ver com o nosso sector? Os bombeiros não participam na construção do dispositivo, não participam na construção da intervenção formativa, não participam na construção na produção legislativa. Hoje, a liga é ouvida a nível nacional, mas as estruturas distritais deixaram de ser ouvidas. Eu não sei qual é o dispositivo operacional no distrito de Viseu. Eu não sei qual foi o critério para a constituição das EIP’s no distrito, eu não sei qual é o critério da constituição dos GIP’s no Verão, no distrito de Viseu. A Liga não sabe isto, sabe no conjunto nacional. Porque é que a estrutura distrital não é ouvida?

Os comandantes das corporações são ouvidos pelo comandante distrital.

Provavelmente. Não chega, é uma questão de identidade dos bombeiros. Os bombeiros aceitam que haja uma estrutura de Estado que mande neles, mas que a estrutura não trate os bombeiros como seus funcionários, mas como elementos que integram estruturas associativas e voluntárias, que têm o direito de ser ouvidas. Se o problema é poupar, então emagrecemos tudo, INEM sem estrutura própria na protecção civil, PSP sem estrutura própria na protecção civil. Mas todos. Os bombeiros não podem ser o parente pobre da protecção civil. Querer fazer economias à custa dos bombeiros, não me parece equilibrado nem justo.

Como bombeiro sente-se usado?

Sinto que os bombeiros são o grande agente da protecção civil, mas, na prática, somos tratados de uma forma diferente dos outros agentes, somos menorizados nas circunstâncias de estarmos integrados num serviço em que somos apenas o único.

Faz sentido uma confederação de associações de voluntários (Liga) ter uma estrutura profissional?

Essa é a opção que os bombeiros têm que fazer. Se os bombeiros quiserem ter um presidente a tempo parcial, que vai à liga os fins-de-semana, que vai às festinhas e aniversários, não podem ter um presidente interventivo. A liga hoje já tem uma estrutura com profissionais a ganharem o seu vencimento, por acaso o presidente (Duarte Caldeira) é permanente e não remunerado, porque fez outras opções. O meu projecto é de um presidente permanente na liga, em exclusivo e naturalmente remunerado.

Porque defende um sistema alternativo de transporte de doentes?

Porque assim não vamos lá. Os bombeiros vêm tendo ao longo dos anos problemas no transporte de doentes. Não dá lucro às associações, hoje dizemos que não dá prejuízo porque nunca imputamos aos custos de transporte de doentes os custos das ambulâncias, porque normalmente são oferecidas.

Qual é a alternativa?

Todos os anos verificamos que o preço do quilómetro pago pelo Estado não é suficiente para dar rentabilidade às associações. Todos os anos propomos um aumento, o Estado dá sempre dez cêntimos e todos os anos andamos aqui pedintes para termos isto. O transporte de doentes decresceu 30 por cento nos bombeiros e as razões são as políticas restritivas que o Governo tem tido no transporte de doentes. No entanto, temos uma estrutura feita com pessoas que não queremos desempregar e com viaturas que temos que manter. A alternativa não é continuar nesta dependência, é termos o nosso modelo próprio, se não for assim, os bombeiros vão à ruína. Ao decréscimo do número de transportes ainda vamos ter mais um volume de facturação que não vai ser paga pelo Estado desde que o cidadão ganhe mais que o ordenado mínimo.

E qual é a sua proposta?

Os bombeiros têm que se autonomizar, trabalhar em rede. O nosso modelo é de racionalizar e rentabilizar as estruturas deixando de ter uma visão paroquial para isto.

Há associações de bombeiros à beirada falência?

Há associações de bombeiros à beira da falência, precisamente, porque se dimensionaram para o transporte de doentes. Sobretudo essas. Hoje não temos uma associação de bombeiros com menos de seis/sete funcionários. Se temos um decréscimo significativo no transporte de doentes, se temos atrasos nos pagamentos, em que é que isto vai resultar?

Defende uma cada vez maior profissionalização do socorro em Portugal.

Continuo com a ideia de que é preciso criar estruturas permanentes de resposta que assegurem os serviços de protecção e de socorro. O conjunto das missões dos bombeiros não é apenas transportar doentes. O modelo passa por um envolvimento do Estado e das câmaras municipais. É o modelo que temos hoje das EIP’s, só temos que as melhorar, todos os corpos de bombeiros têm que ter seis/sete homens criados e mantidos pelo Estado central e local que prestam um serviço de emergência.

Qual deve ser o papel das autarquias?

Devemos ter uma aproximação cada vez maior com as autarquias e com a Associação Nacional de Municípios. Os municípios são centrais na política de protecção civil onde os bombeiros se inserem.

O modelo das EIP’s pode ter os dias contados.

Lamentavelmente. Este é o modelo de futuro. Temos que ter uma estrutura combinada de voluntariado e de permanência. O Estado tem que assumir as suas responsabilidades. Com as exigências actuais da sociedade, não é possível estar lá sempre apenas com o voluntariado.

Vai ter como adversário Jaime Soares, presidente da Federação Distrital de Bombeiros do distrito de Coimbra, presidente da câmara municipal de Vila Nova de Poiares É um adversário de peso?

É um adversário de respeito. É um adversário difícil.

Qual é a sua vantagem em relação a Jaime Soares?

As coisas vão medir-se pelo programa e pelas equipas que vão ser constituídas. O Jaime tem o seu percurso e eu tenho o meu, são percursos diferentes.

Estando o Rebelo Marinho ligado ao PS e sendo Jaime Soares um autarca social-democrata, admite uma politização das duas candidaturas?

Eu sou assumidamente do Partido Socialista há muitos anos, agora, não confundo esta luta com lutas eleitorais. Admito que no terreno alguém faça essa leitura e interpretação. Garanto é que a minha candidatura não tem nenhum cunho partidário. Vai haver uma mudança significativa nas pessoas que integram a equipa e vai haver uma componente forte operacional no conselho executivo. Eu quero que o conselho executivo da Liga de Bombeiros Portugueses e os seus 11 elementos tenham uma presença significativa de comandantes de bombeiros no activo.

Cinquenta por cento?

Menos que isso não.

A sua candidatura não tem recuo possível até Outubro?

Nenhum recuo possível. Sempre disse que jamais seria candidato à liga se o dr. Caldeira o fosse. Não atraiçoo ninguém, nem esqueço amizades, identidades e cumplicidades. Jamais o Joaquim Marinho será o candidato de plástico.

Se Duarte Caldeira reconsiderar, retira a sua candidatura?

Terei que reconsiderar a minha.

Fonte: jornaldocentro